O retrato da solidão
O homem seguia pela rua sem prestar atenção em volta. Cabeça baixa, mãos no bolso, o olhar perdido em algum ponto entre sua altura e a calçada.
Caminhava pausadamente. Como se não tivesse pressa, ou melhor, e mais triste, como se não tivesse um lugar para ir. Como se sua existência estivesse confinada ao espaço da rua. Sem casa, sem abrigo, sem amigos a quem recorrer.
Reparando melhor, via-se que falava consigo mesmo. Não murmurava, falava, argumentava. Não era uma queixa, nem uma desculpa. Falava discutindo, perguntava e respondia, como se fossem duas pessoas conversando.
Não, não parecia louco. Nem transtornado, nem fora de si. Caminhava tranquilamente, passo depois de passo, sem mudar a toada, sem se apressar ou diminuir a marcha, apenas ele e mais ele.
Seguia em frente no ritmo e no rumo da rua. Mas não estava perdido. Nem desesperado. Sua caminhada seguia segura, pela calçada que ele evidentemente conhecia.
O trajeto não lhe parecia estranho. Nem a paisagem em volta.
Uma criança correndo pela rua deu um encontrão no homem. Como acontece com as crianças que, na rua, dão encontrões nos homens, ela estava apressada demais, por isso não pediu desculpas. Mas ele não se incomodou. Continuou caminhando, falando consigo mesmo.
Parou na esquina, esperando o sinal de pedestres. Coisa rara, porque os pedestres não costumam aguardar o sinal de pedestres ficar verde para eles.
Quando o sinal abriu, tocou em frente, carregando a mesma solidão. Prestei atenção. Os olhos do homem eram infinitamente tristes.