Um quadro triste
Quem conhece e convive com ela, acha a Clotilde muito simpática. Entre as grandes qualidades da cachorrinha está ela ser minha companheira de caminhadas pela Cidade Universitária. A Clotilde adora passear lá e fica me esperando com cara de quem sabe onde está o tesouro do pirata até sairmos para nossos passeios.
A Cidade Universitária oferece vários percursos para quem anda pela enorme área da Fazenda do Butantã. Tem os mais fáceis, os mais óbvios, os mais cheios, os planos e os com subidas. Para não falar na genialidade da ciclo-calçada ao lado da raia de remo.
Enquanto o mundo separa pedestres e ciclistas, a Prefeitura da Cidade Universitária decidiu unir os dois, criando um espaço compartilhado para ciclistas e pedestres na apertada calçada que acompanha a pista de remo.
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Um amigo professor me disse que acha que é algum projeto de pesquisa importante para determinar as causas das novas formas de acidentes que acontecem nas zonas urbanas ditas civilizadas.
Eu tenho dúvidas. Não tenho certeza se uma ideia tão revolucionária como essa teria campo para crescer na Universidade. É só olhar o muro de vidro na Marginal para entender minhas ressalvas.
Mas a razão da crônica não é essa. O que me faz escrever foi um cachorro velho que nós encontramos durante um dos nossos passeios. Ele estava deitado no gramado e, quando nos viu, com a Clotilde puxando forte a coleira, em vez de começar a latir para marcar seu território e chamar os companheiros, ele se levantou e se afastou com o rabo entre as pernas.
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Estava só. Evidentemente não tinha mais espaço nos bandos de cães que perambulam soltos pela Cidade Universitária.
Era um retrato da vida. Da crueldade da vida. Primeiro, foi abandonado lá, para depois, ao ficar velho, ser abandonado pelo bando no qual vivia.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.