Cinza
O dia está cinza. Amanheceu assim ou sou eu que o vejo assim? Cinza, profundamente cinza, densamente cinza, cinza sem esperança, a não ser o cinza mais cinza de um poste do lado direito do muro mais cinza que o céu que eu vejo cinza.
O céu está esplendorosamente azul. Nenhuma nuvem incomoda o sol radiante ou o azul que atravessa o infinito, mas eu vejo o dia cinza, cinza da cor do meu peito, feito uma névoa sem origem, que cresce sem dizer porquê ou como.
Simplesmente se expande, como o cogumelo das explosões atômicas, como a poluição de petróleo tomando as praias. Sinto o cinza crescer, sinto o cinza ficar mais cinza e não há nada que eu possa fazer, além de esperar.
Esperar o quê? Eu não sei. Só sei que tenho que esperar. Não consigo me mover, não consigo desviar o pensamento. Em volta, tudo está cinza porque dentro de mim está cinza e o cinza interior não admite a cor do mundo, nem a alegria ou a felicidade.
A criança brincando na praça não significa nada, nem tira um pouco do cinza do cenário em volta ou do palco interior.
Apenas uma imensa saudade. Apenas uma imensa saudade. A sensação de falta, de algo que deveria estar, mas não está. E o pior é que não se perdeu.
Apenas a possibilidade de todos os apenas. Nada mais, a não ser a certeza de que o apenas não explica nada, nem alivia.
Em volta, está cinza porque dentro de mim está cinza. Cinza prenunciando tempestade, abafado, dolorido, silencioso como o instante que precede a tormenta. Eu quero a tormenta, mas ela não vem. Apenas o cinza oprime meu peito e entristece a vida.