Debaixo das pontes
Debaixo das pontes da cidade mora gente. É isso aí: debaixo das pontes mora gente. Seres humanos como você ou eu. Eles moram debaixo das pontes, o que pode ser péssimo, mas ainda é melhor do que morar em determinados barracos perdidos nas favelas do mundo.
A miséria assusta. Lamentavelmente, hoje assusta mais pelo medo que gera do que por ser miséria.
Abaixo da miséria há muito pouco, se é que ainda há alguma coisa.
A miséria tira a dignidade do ser humano. O equipara às bestas feras acuadas pelo progresso e que morrem à míngua, perdidas em grotões escondidos ou mancam pelas estradas da vida, até serem atropeladas por um caminhão.
As pontes paulistanas são altas. Não tão altas quanto deviriam ser para impedir serem abalroadas pelos caminhões, mas altas o bastante para proteger apenas parcialmente quem busca refúgio debaixo delas.
Tem gente que mora dentro das pontes. Algumas estruturas têm entradas para suas entranhas. Então famílias inteiras moram dentro delas, aí sim com conforto, e até de luz elétrica, puxada por uma gambiarra mal feita, mas suficiente para iluminar o pedaço e, quem sabe, fazer funcionar uma TV velha.
Coisas de uma cidade grande onde a ordem foi para o espaço faz muito tempo.
Num universo em que a vida pega pesado, pegar pesado é parte da vida e condição essencial para se dar bem.
Quem mora dentro das pontes enfrenta permanentemente o assédio de outras famílias, dispostas a tomar-lhes o lugar. Não há tempo para descanso e qualquer vacilada é fatal. Por isso a regra é sempre alerta.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.