O silêncio que grita
O silêncio da cidade é cheio de sons. Contradição? Não há silêncio com som? Não é bem assim. O silêncio da cidade tem um ruído constante que não para durante as 24 horas do dia. Experimente gravar. Você ficará surpreso. O silêncio urbano, na metrópole alucinada, tem um gemido infernal, que se prolonga indefinidamente e explica por que as pessoas estão sempre cansadas.
Ruídos, zumbidos, buzinas, estalar de dedos, batida de lata, queda de corpo no asfalto, turbina de avião, motor de helicóptero, carros, carros, carros, caminhões, caminhões, ônibus desembestados, freadas alucinadas, curvas alucinantes, roncos de todos os tipos abafam a capacidade de ouvir e, mais ainda, de entender.
O telefone toca. Do outro lado silêncio, mas não o silêncio dos grandes espaços vazios, dos finais de tarde com pôr do sol no horizonte.
O silêncio da cidade é denso, ameaçador, oprime a alma, como o silêncio que antecede as grandes tempestades assusta a natureza, cala os pássaros, espanta a vida e ameaça a sequência do dia.
O silêncio da grande cidade é profundo, duro, cruel, inclemente feito o granizo atravessando as folhas das árvores.
Atinge o peito. Dói no fundo do peito, deixa o coração pequeno, aperta o esôfago, e sobe num arrepio desde a base da espinha.
O silêncio urbano é humano. O que machuca é que o silêncio urbano é o silêncio da falta de contato entre as pessoas. Do medo das pessoas. Da vontade de se trancar num quarto escuro e não sair, nem ver ninguém.
É o silêncio das mãos que não se abrem, dos olhos que desviam dos outros olhos, da fuga dentro dos elevadores. É um silêncio que atinge o peito, machuca o cérebro. Fere a alma. E sangra, indiferente.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h