A vida cinza
Se de um lado São Paulo consegue apresentar coisas fantásticas, que a fazem uma cidade única na ordem internacional, de outro, tem um lado triste incrustado no peito de certas pessoas e que a faz mais brutal do que a própria violência.
É o lado cinza da solidão, do desamparo e do desinteresse. O lado sórdido da vida. Aquele em que as flores nos desenhos animados murcham e que na vida real não tem flores.
É uma angustia constante que se estende por quilômetros sem sentido, perdida no cipoal que embaraça a alma. Todo lado é solidão. Encontro de ausências, presentes sempre na saudade escondida no fundo peito, ou num gesto que não se completa e na voz que murmura com medo, um pedido de desculpas e uma ameaça.
Mancha física que se espalha em casebres, em apartamentos, em favelas, e nas salas das mansões de cinema que enfeitam os altos ao longo das várzeas.
Não há rico, nem pobre, mas apenas a mesma sensação de abandono que permeia o peito e escorre dos olhos em lágrimas ácidas que secam rapidamente.
É um cinza denso que não deixa espaço para a chuva. Dentro tudo é redemoinho de tempestades elétricas cruzando o cérebro em descargas de luz que cegam e enganam, escondendo a profunda frustração.
Ah, tanta poesia que poderia ter sido e não foi, mal escrita pela falta de talento.
Tanta esperança e tanto encontro sonhado. Tantas possibilidades… E um gosto amargo de saber que não foi, disfarçado na agressividade que esconde a certeza de ter sido passado para trás numa quebrada da vida.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.