Minha ternura
Minha ternura para os passarinhos que morrem de frio nas noites de inverno. Para as flores dos hibiscos da USP que caem e ficam na calçada, sendo pisadas, até desaparecerem.
Minha ternura para o capim amarelado por causa do frio, da falta de chuva e porque é assim mesmo que as coisas são.
Minha ternura para o ônibus soltando fumaça preta, com o motor desregulado, apanhando para subir a ladeira íngreme e de asfalto mal conservado. Mas minha ternura também para o micro-ônibus clandestino que só circula nas ruas de terra dos bairros de periferia.
E mais ternura ainda para a carroça puxada por um cavalo velho que apanha como se tivesse culpa de ser velho e por isso não ter mais forças para puxar sua carroça.
Minha ternura para o menino que vai no banco velho da carroça, ao lado do homem que espanca o cavalo como se suas chicotadas arrancassem alguma força extra das patas cansadas.
E minha ternura para o homem que espanca o cavalo porque não sabe fazer outra coisa, nem teve outra chance, e não tem dinheiro para comprar um cavalo novo, ou um carro velho, para substituir o animal acabado.
Minha ternura para a árvore condenada. Para a calçada quebrada. Para o irresponsável que não sabe o que faz, e limpa a calçada com um esguicho em vez usar uma vassoura.
Minha ternura para a falta de ternura nos olhos duros de certas pessoas. E minha ternura para os olhos com medo de outras.
Tudo merece ternura, até o que parece feio e mau e que, às vezes, atinge a vida da gente. Por isso minha ternura por nós.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.