As árvores do Araçá
O Araçá e eu nos entendemos desde que eu era menino e cortava pelo meio do cemitério para encurtar caminho entre a casa de meus pais e a avenida Dr. Arnaldo, onde pegava o ônibus Ipiranga/Sumaré para ir para o colégio Dante Alighieri.
Era outro tempo em que os meninos saiam de casa sozinhos e andavam pelas ruas ou subiam pelas alamedas dos cemitérios, entre os túmulos, sem pensar em qualquer risco ou ameaça, de vivo ou de morto, para chegar mais rápido no ponto do ônibus.
Naquela época eu não reparava nas árvores do cemitério. Elas não me diziam nada, aliás, como a imensa maioria das árvores, exceto a figueira do gramado da fazenda e o ipê do jardim da casa de meu pai, onde eu e minhas irmãs subíamos nos galhos para brincar. As outras, até as jabuticabeiras, serviam para fazer estilingue ou lenha para lareira.
Mas o mundo muda e nós também. A vida cobra seu preço, e o que não achávamos importante muda de dimensão e nos faz rever as verdades definitivas, que aos 20 anos são sempre imutáveis.
Hoje em dia, eu ando pela cidade cinza procurando as plantas de todos os tamanhos. Elas têm uma participação importante na qualidade do astral urbano e suas formas e cores são capazes de mudar o clima do dia, ainda que debaixo de chuva, no fim da tarde de um dia feio e frio.
É por isso que quando passo perto do cemitério do Araçá tento ver além dos muros, procurando pelas árvores que brotam no seu chão, regado com as lágrimas das despedidas e adubado pela vida reciclada, completando o longo ciclo da vida.
São árvores maravilhosas, que florescem em várias épocas do ano, colorindo a monótona rotina do cemitério, como que pra deixar alegre o sono sem sonhos de quem dorme debaixo delas.
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