As paineiras
Essa impiedade da paineira consigo mesma… O verso de Mário de Andrade inicia um poema feito para meu tio-avô, Alfredo Mesquita. Os dois foram grandes amigos. E o verso, cada vez que vejo uma paineira florida, vem à minha cabeça, na lembrança da frente da lareira da casa da Avenida Higienópolis, onde a poesia estava escrita.
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Mas a paineira que interessa agora são as paineiras da cidade de São Paulo, começando pelas paineiras da Ponte da Cidade Universitária, que todos os anos florescem como que homenageando os que partem para o sul, antigos bandeirantes no rumo dos campos de Curitiba e das missões do Guairá, hoje transformados em motoristas que atravessam a ponte para entrarem na Raposo Tavares e na Regis Bitencourt.
Com sua florada cor de rosa, qual sentinelas com fardas de gala, ladeiam a entrada da ponte, enfeitando o concreto cinza e sujo, sob o céu intensamente azul dos dias de outono.
A Ponte de Cidade Jardim também tem sua paineira e ela é deslumbrante. Quem sabe, por ser uma só, se desdobra para compensar a solidão.
E os canteiros que separam as pistas da Marginal do Pinheiros não ficam atrás. Neles, as paineiras dividem os espaços com ipês. Então, como elas entram em cena antes, se esforçam para brilhar e não serem esquecidas quando os ipês explodem suas floradas.
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A vida das plantas é difícil, não é fácil agradar tupis e tapuias. Muitas das árvores que enfeitam a cidade não são daqui, foram trazidas de fora, mas isso não lhes tira a poesia, nem a beleza que dividem, sem cobrar nada, com nossos olhos cansados.
Agora é a vez das paineiras. Suas flores delicadas escondem os sabiás pousados nos galhos. E eles lhes contam os segredos do mundo.
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