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Cheiros

O cheiro de pão quente tem alguma coisa de volta a infância, de lúdico, de encontro com as avós anos depois delas terem morrido, como se estivessem vivas e te abraçando, da forma como te abraçavam nas manhãs frias das férias de inverno.

O cheiro de grama cortada fala da vida, de crescimento, de mudança, de outro dia com outra grama, na sequência eterna do dia a dia do mundo, um depois do outro, sempre semelhante e sempre diferente, em direção a eternidade que se completa no flash que é o tempo que cada um passa por aqui, mas que se perpetua em lembranças e gestos que tiveram consequências, que aproximaram pessoas, que respiraram vida.

Terra molhada recria a mulher amada, o cheiro da mulher amada, o tato da mulher amada e o seu corpo suado depois do amor. Por isso o cheiro de terra molhada é o melhor cheiro que existe e só se compara ao cheiro de maresia, que conta do encontro do sexo, na lembrança primeva que as conchas trazem consigo e que fala de encontro e descoberta.

Cheiro de fruta lembra o trabalho na terra. O ciclo mágico de arar, plantar, e colher. Saber ver as estações no ritmo das plantas, a terra aberta e revolvida pelo ferro, a semente germinando, o verde das folhas, e as flores e depois o fruto, que se balança feito uma oferenda, para ser colhido como uma dádiva, ou como um milagre.

Cada cheiro tem um significado, um mistério que não se compreende, só se pressente. Cada um é a soma de lembranças que falam de momentos, todos imensos e intensos, na hora em que explodem.

Por isso nenhum cheiro é mais denso e mais gostoso que a mistura de cheiros de uma noite de verão depois da chuva, quando a dama da noite abre suas flores e se espalha pelo jardim com a grama cortada.

 

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.