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Viver é cortar amarras

Viver é andar pra frente. Nada na vida, depois que acontece, tem volta. O que existe são no máximo retornos. A água que passa debaixo da ponte é, a cada segundo, outra água.

Portanto, o rio que passa debaixo da ponte é sempre outro, correndo pelo mesmo leito, que também não o mesmo porque a cada segundo um grão de terra é arrancado das margens ou um grão de areia se sedimenta no fundo, ou um novo tronco se prende no emaranhado da folhagem e muda o fluxo da corrente.

Com as pessoas é assim e com as cidades também. São Paulo começou em algum lugar entre o Anhangabaú e o Tietê, depois mudou para algum lugar entre Santo André e São Bernardo, para depois escalar a colina do pátio do Colégio, de onde se espalhou outra vez, em direção ao Anhangabaú, até o Tietê e para depois, morro acima e morro abaixo, até os olhos não verem seu final.

Para o outro lado, a cidade correu para a região do ABC, onde se fundiu com Santo André, São Caetano e São Bernardo, sem, todavia, haver volta às origens, ou ao menos sentido saudades do tempo em que andara por lá.

Com as pessoas as mudanças são menos bruscas, mais discretas, e, quando muito vão dum bairro para o outro, de uma cidade para outra, sem deixar mais marcas do que os amigos que ficaram para trás. Nas lembranças que imediatamente começam a se esfumaçar, até serem um nome lembrado com carinho, mas sem face, sem olhos, sem sorriso, ou aceno.

Tudo passa. Tudo passa como se as cordas das amarras estivessem podres e não fosse possível reter o navio no porto.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.