Frio de rachar
Não sei a origem da expressão “frio de rachar”, mas o frio que fez a semana passada foi de rachar. Fez frio como manda o figurino, de deixar passarinho encolhido no galho e cachorro encostado no fogão de lenha, nas casas da roça.
Quatro graus em São Paulo. Alguma coisa está errada, isso é frio de Campos do Jordão, de São Francisco Xavier, Monte Verde e outros pontos nos altos da Mantiqueira.
Não é frio de cidade dita civilizada, encravada num planalto, atrás de uma serra com mil metros de altura, no lado leste da América do Sul. Aqui não é Patagonia, nem Puerto Mont. É São Paulo. A velha vila fundada há mais de quatrocentos anos numa região teoricamente de clima ameno.
Fez frio de assustar meteorologista, ou deixá-los contentes. Os especialistas adoram situações extremas, as que fogem da rotina e abrem novas perspectivas.
Fez frio para deixar o coronavírus feliz. Quem não sabe, o vírus adora um friozinho, de preferência desses de quebrar pedra no meio. Vindo da China, ele não se assusta com o inverno, pelo contrário, é quando nada de braçada. Entra de cabeça e se diverte.
Pra quem está dentro de casa, enrolado num edredom, com o aquecedor ligado ou a lareira acesa, o frio é gostoso, pede um vinho tinto para completar a cena e deixar tudo mais romântico.
Mas tem gente que não está dentro de casa. Tem gente morando em barracos, em casebres e – pasme! – na rua. Nas calçadas geladas das ruas da cidade, encostado numa parede, debaixo de uma marquise, dentro de um viaduto. Tem gente morando nas ruas nas noites geladas deste inverno que deveria ser mais quente, mas que está enganado todo mundo. Tem gente morando e tem gente morrendo nas ruas. O que nós podemos fazer?
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