A crueldade das ruas
Eu já sabia dos riscos, mas a explicação que um amigo me deu me encheu de dó, não só por ele, mas pela destruição implícita de uma máquina feita para dar prazer e encher o olho da gente com sua beleza e perfeição.
Poucas máquinas no mundo são tão belas quanto os carros de luxo. Aliás, tão belas existem. É olhar os jatos, helicópteros, lanchas, veleiros e iates espalhados por aí para não ter dúvida disso. O que não tem é mais bela. Um avião é deslumbrante, mas, para quem gosta, um esportivo ou uma limousine não tem comparação. E a regra se aplica de forma mais ou menos geral, em relação a todos os bens fabricados pelo ser humano.
Meu amigo comprou uma dessas máquinas. Como não devo fazer propaganda, não vou dizer que máquina, mas é das bem bonitas, baixinhas, com rodas largas, capazes de atingir velocidades elevadas, etc.
Antes ele tinha um carro importado mais clássico e, por isso, segundo ele, era chamado de velho ranzinza. Com o novo brinquedo, passou a ser chamado de velho charmoso e isso faz diferença, mexe com o ego, deixa as pessoas mais felizes.
Ele saiu da concessionária assim, absolutamente feliz, em estado de graça, feito um anjo voando pelo céu. Entrou na rua e bum. O baque seco deixou claro que tinha caído num buraco. Depois outro baque seco e outro e outro mostraram que não precisava buraco para a suspensão do carro bater. As ondulações, remendos malfeitos e costelas de vaca davam conta do recado.
E a altura do carro e o pneu de banda baixa completam o estrago. O carro bate seco, de doer o corpo cada vez que passa por um desses obstáculos. Além disso, o pneu estoura quando cai num buraco e o carro não tem estepe. Meu amigo está feliz porque não pode dizer que não está, mas começa a ter dúvidas sobre as vantagens de ser um velho charmoso.
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