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A cidade indiferente

A cidade pode ser terrível. Pode ser má e cruel como nenhuma mulher é capaz ou um homem ousaria sonhar. A cidade pode ser dura e injusta… e ela é, e não se importa.

Qualquer grande cidade vive os milhões de vidas que a compõem, pulsando em suas ruas o sangue de cada uma, como se tivesse milhões de corações somando suas batidas para criar a batida maior que é o pulsar do coração da própria cidade, repercutindo nos muros, derrubando as árvores e matando os passarinhos.

São Paulo não é exceção e quem sabe seja ainda mais brutal. Aqui sonhos de todos os lugares se fundem às ilusões que condenam os homens e os derrubam e os humilham, enganados pelo brilho falso e distante das miragens que os trazem do outro lado do mundo, para morrerem em suas ruas escuras, cinzas, às vezes manchadas pelo sangue dos perdedores, e que nem sempre têm culpa.

As ruas da cidade são suas veias. É por elas que a vida corre, nas pessoas correndo atrás de seu atraso, compassado pelo atraso do trânsito, que remete tudo de novo às ruas.

É nelas que os quadros mais trágicos e mais deslumbrantes descobrem o palco ideal para encenar seus atos. São seus muros que servem de fundo para as estórias, belas ou feias, que fazem seu cotidiano dentro da rotina imutável que acaba sempre correndo por suas ruas.

Não há escapatória. São Paulo deságua nas ruas. As chuvas caem nas ruas, os esgotos escorrem pelas ruas, o sangue mancha o asfalto das ruas, o suor lava o sangue que mancha as ruas, enquanto uma lágrima, cai lentamente, dos olhos de alguém caído na rua.

São Paulo é um ser vivo que se ultrapassa permanentemente, quebrando recordes e paradigmas com a indiferença dos seres descomunais em relação ao tamanho do ser humano.

Para ela tudo é porque é assim que tem que ser. Nada é extraordinário, nada vai além de suas expectativas. Nada a incomoda.

Impassível e indiferente, a cidade simplesmente assiste aos dramas que fazem as manchetes dos jornais e logo depois os esquece.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.