Pedaço mais singelo
São Paulo é um mar que se espraia por mais de 1.000 km, em todas as direções, morro abaixo e morro acima, numa bagunça urbana espantosa, que mistura e separa, atraindo os opostos e criando quadros únicos, um mais inusitado do que o outro.
Dentro deste universo caótico a poesia convive com a violência, a miséria com a fartura, a beleza com o horrível. Cada rua tem algo diferente que a faz única, diversa de todas as outras, até quando são quase iguais, nos confins de seu limites, ou balizando os conjuntos habitacionais.
A cada passo a cidade se transforma, surge outra, com detalhes que não se encontram em nenhuma parte e que, somados, criam um mundo que é um pequeno pedaço de outro mundo, muito mais vasto, e onde diariamente se perdem tantos Raimundos.
Entre todos os nortes que balizam a cidade, entre tantos rumos e tantas partes, nenhuma é mais singela do que o centro velho. Antigo coração da metrópole, faz tempo que ele deixou de pulsar, substituído por outros corações que também vão tendo – e perdendo – a sua vez.
Mas o centro velho, se perdeu sua importância econômica e política, manteve seu carisma, feito do encontro de opostos, como os sisudos banqueiros que dividem suas ruas estreitas com os camelôs; ou os prédios humildes da praça da sé, que são obrigados, todos os dias , a dormir e a acordar, olhando de frente para a catedral e para o tribunal de justiça.
Mas eles não sentem inveja. Eles sabem que a casa de deus e a casa da justiça precisam ser bonitas.
Afinal, se Deus não tiver uma casa que o louve à altura, como esperar que ele se compadeça dos nossos pecados – que aqui podem ser muitos?
E se os homens não honrarem a justiça que os faz iguais, como esperar um futuro melhor?
O centro velho tem contrastes que fazem pensar nas esquinas da vida.
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