A felicidade de olhos tristes
Pode parecer incrível, mas a felicidade, às vezes, aparece de olhos tristes. Olhos infinitamente tristes, como se a certeza de que ela acabará em pouco tempo deixasse, já bem antes do fim, a sua sombra sobre a lembrança de momentos, de instantes, que poderiam ter sido muito maiores, mas que não foram.
Nada é mais triste do que os olhos tristes da felicidade que sabe que vai acabar. Da felicidade que sabe que será morta em nome de alguma coisa sem qualquer sentido, mas suficientemente forte para matá-la, deliberadamente, ainda que contra a vontade.
A certeza da fim empana a possibilidade do momento. E os olhos exprimem esta certeza num átimo de tempo suficiente para embaçar o riso da boca, numa névoa opaca que esconde a alma, atrás da tristeza atávica que faz o gênero humano sofrer no paraíso.
Porque alguns amores têm que acabar, assassinados em nome sabe deus de que motivos sem a menor importância diante da chance de se ser feliz, é alguma coisa que ninguém sabe, alguma coisa com a qual ninguém atinou com a resposta, e que, no entanto, é tão forte, que em seu nome são sacrificados os sonhos feitos reais e as esperanças que o balizam.
É por isso que, em determinados momentos, quando a felicidade está mais perto, os olhos dum dos amantes se toldam, ficam opacos, transmitindo uma tristeza que não deveria existir, mas que vai corroendo o seu peito, numa vingança sem pé, nem cabeça, dele contra ele mesmo.
Que carma leva a isto? Que passado é tão fundo que impede alguém de ser feliz, quando felicidade bate no seu peito?
Quem sou eu para saber as respostas?
A vida vem para cada um como ela vem. Não compete a nenhum de nós tentar entender os seus por quês, ou as ações que levam uma pessoa a renegar a sua chance, submetendo-se à duma vida cinza, regulada pelo que os outros acham – mesmo quando é notório que o que os outros acham não interessa em nada, nem melhora a chance de se ser feliz.
Os olhos ficam tristes porque sabem que o futuro, bem antes de ser futuro, já é passado. E que todas as possibilidades ficarão apenas possibilidades, recordações tristes que esquentarão as noites de futuros invernos, com estórias do tipo: “ah, eu vivi um grande amor… Eu tive a chance de viver um grande amor… Foi bom demais, mesmo não sendo – e não foi porque eu tive medo… Eu não sei os por quês, mas bem antes da hora, eu já sabia que eu o mataria”.
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