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Maré

A vida corre como as ondas que se formam no fundo do mar e avançam ao longo do dia em direção à praia. Algumas batem nas pedras, outra vagam por águas tão profundas que se perdem, misturadas aos mistérios das profundezas, aonde chegam menos do que um leve marulho.

Outras passam a existência embalando Nereu, perdidas em sonhos que falam de cavalos marinhos e viagens fantásticas para grutas de madrepérola, onde o velho deus do mar dorme, embalado pelo canto de suas filhas. E por isso elas vem e vão, quase sem saírem do lugar, para frente e para traz, como que brincando com o vento.

A maioria cumpre sua rota e rola mar a fora, até chegar na sua praia, onde se entrega à areia, mansamente ou em combates ferozes.

Seja como for, as ondas atravessam o oceano para cumprirem o seu destino, como o dia dos homens, que começa com o nascer do sol e cresce, para se acabar com a noite, mansamente, ou em combates ferozes.

Como as ondas que nascem mais ou menos iguais, os dias começam também mais ou menos iguais. E eles evoluem, no seu ritmo próprio, uns prometendo serem ótimos e outros nem tanto.

E, como as vagas, existem os dias que crescem perfeitos, que unem as marés e os ventos, para empurrá-los maravilhosos de encontro ao destino de sua praia, para, num último momento, esbarrarem numa corrente, e mudarem de curso, e se encapelarem, e então explodirem, numa nuvem de espuma desfeita, que desmantela a perfeição anterior.

Uma palavra fora de lugar ou mal entendida. Não é preciso mais do que isto para que a corrente exerça a sua influência, sombreando um dia de sol com certezas que não sabem nada. Com medos que, como as rochas, mudam o rumo das ondas, criando redemoinhos onde os sonhos ficam tontos e a esperança se afoga.

Como as ondas os dias vêm e vão, eternos, cumprindo o seu ciclo de vida, fora do nosso controle, impassíveis frente aos nossos desmandos.
Como as ondas eles podem se acabar mansamente, beijando a areia que o recebe, ou explodindo de encontro à praia, numa vingança sem sentido que só machuca quem a gente ama.

Os dias são como as ondas, imprevisíveis como as ondas.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.