Antigamente

Antigamente os pores do sol eram mais vermelhos, as luas cheias mais cheias e o azul do céu mais azul. Antigamente o mar quebrava de outro jeito na areia da praia. Os sabiás cantavam mais comprido e o voo dos pardais enchia as praças da cidade com a algazarra das aves.

Antigamente os trens levavam passageiros para o interior. Íamos na Estação da Luz e tomávamos a Litorina para Louveira. A viagem durava perto de uma hora e não tínhamos que mostrar documentos nem ter autorização. Comprávamos as passagens e pronto, era embarcar e seguir viagem.

Louveira era o paraíso redescoberto. Atrás das cercas de arame farpado, o mundo deixava de ser mudo para se transformar numa terra mágica, onde a vida corria fácil, nos passeios a cavalo, na piscina, nas caçadas no matão.

Também tinha o por do sol na cabaninha e a lua cheia no terreiro. De vez em quando esticávamos a madrugada para tomar leite tirado na hora na cocheira das vacas.

Nos dias frios de inverno a cerração cobria os pastos e a geada, nas madrugadas trágicas em que a vida era assassinada pelo branco, transformava a paisagem numa cena alpina, que rapidamente abria espaço para os campos e plantações mortos pela inclemência do tempo.

Antigamente o mundo era menos agressivo, a vida mais fácil, os dias mais amenos e as noites mais seguras. Andávamos a pé pelas ruas da cidade sem maiores medos ou a ameaça dos assaltos.

Antigamente foi há muito tempo. Quanto de feio e diferente ficou esquecido nos escuros da memória? Quanto se perdeu nas lembranças gostosas que são as que valem a pena ficar? Amigos morreram, amigos partiram, grandes amores acabaram. Isso tudo foi antigamente…

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