Solidariedade

A amiga do meu amigo tirou o casaco e o entregou à criança que olhava para ela com olhos de espanto e ternura. Olhos de quem não entende o que está acontecendo, de espanto diante da vida, no dia frio que arrepiava seu corpinho.

A amiga do meu amigo não deu o casaco porque queria ser melhor, nem mais justa, nem mais humana. Ela o fez num gesto tão terno quanto o brilho dos olhos da criança, porque era a única coisa a fazer naquela manhã fria em que ela e meu amigo tomavam café numa padaria enquanto a criança estava do lado de fora.

As crianças não têm nada com o feio e o errado do mundo, com as desigualdades, com a crueza da vida, com o frio que castiga seus corpos porque, por um acaso, um mero acaso, nasceram de mãe que não tinha condições de dar a elas a vida que toda criança merece.

Criança nasce para brincar, correr, jogar bolinha de gude, achar o mundo bonito e se encantar diante da vida.

Criança nasce para ser amada e protegida e, nas horas vagas, olhar a vida como quem sabe que seu caminho é bom e que o futuro será farto e generoso.

O difícil, a luta, as topadas deveriam sempre chegar muito depois, quando a criança não fosse mais criança e a vida pudesse mostrar todos os seus lados, o bom e o ruim, que também faz parte.

Um dia frio não deveria maltratar milhares de crianças como a que ganhou o casaco da amiga do meu amigo. A maioria não encontra pessoas que, como ela, tiram o casaco e o entregam para crianças com frio.

O exemplo de São Martinho se perdeu na indiferença das redes, no centrismo das pessoas, na indiferença que não comove. Ainda bem que ainda existem pessoas como a amiga do meu amigo.

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