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Aleitamento materno

O metrô de São Paulo, aliás, como todos os metrôs do mundo, é um lugar fascinante, com uma vida própria que borbulha como se estivesse fervendo, dando um clima e uma cor toda especial aos seus corredores e túneis.

Os tipos que andam por lá, a fila das pessoas querendo entrar nos trens nos horários de pico, a limpeza, a conservação e a disciplina, fazem de suas estações ilhas de civilidade numa cidade que se barbariza dia a dia.

Na medida do possível, porque São Paulo tem infinitamente menos linhas do que precisa e menos quilometras do que seria o mínimo indispensável, eu só ando por baixo de nossas ruas, dando risada dos desinfelizes parados no trânsito, confortavelmente instalado num vagão que desliza por seus túneis, indiferente à loucura que assassina em cima.

E nestas viagens normalmente rápidas, que me levam para as regiões mais diversas da cidade, eu acabo vendo cenas de todos os tipos, do grotesco ao comovente, do sem sentido ao mais lógico.

Eu estava na estação são bento. O apito avisando o fechamento das portas começara a tocar, quando elas entraram correndo no vagão. Uma senhora, uma moça e uma criança. Pelo jeito delas, eu deduzi que eram avó, mãe filha, sendo que a filha ainda era uma criança de colo, e ia carregada pela mãe.

O trem estava praticamente vazio, e elas tinham lugar à vontade para se sentarem. Quis o destino que se sentassem perto de mim. Acho que foi só pela sua proximidade que eu reparei na cena.

Depois de sentadas e bem instaladas, a mãe discretamente levantou a blusa e deu o seio para a criança mamar. Ela não estava com vergonha, mas também não queria se exibir. Por isso seus gestos foram deliberadamente discretos e a senhora a ajudou, segurando a blusa levantada logo acima do bico do seio, enquanto ela se ajeitava e colocava a filha numa posição que lhe fosse confortável, para dar de mamar.

O trem corria no ritmo de sempre. Com certeza os passageiros que se encontravam um pouco mais longe não perceberam o que acontecia no banco ao meu lado. Eu mesmo, já disse, só percebi a cena pela nossa proximidade.

Nada era mais natural do que esta mãe amamentando sua filha. Ela não se expunha, nem se escondia. A criança deitada em seu colo tapava a parte debaixo de seu seio, enquanto a parte de cima ficava coberta pela blusa, que a senhora delicadamente baixara, depois que a criança tomou o bico em sua boca.

Era simplesmente a vida correndo no ritmo da vida, enquanto a paz se apossava dum vagão de metrô, representada por uma criança mamando.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.