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Compra a prestação

O papo corria solto, empurrado pela vista deslumbrante que se descortinava da janela da venda. A serra, imensa e deslumbrante, se estendendo até onde os olhos alcançavam, ajudava a conversa jogada fora, entre o seu Zezinho, o dono do bar, a Paula e a sua amiga, que era a dona do sítio onde estavam passando o fim de semana, perdidas no alto da Mantiqueira.

Seu Zezinho é o dono da venda e de quase todas as terras em volta, incluídas as cachoeiras e as pedras de se ver o pôr do sol. Nascido e crescido na região, foi ver o mar pela primeira vez quando fez 50 anos de casado e deu a viagem de presente para a mulher. Conhecendo cada centímetro da sua filial do paraíso, ele contava para as duas moças as estórias do lugar.

Foi quando uma mulher entrou na venda. Entrou, parou e ficou esperando, sem dizer uma única palavra. Seu Zezinho a viu entrar, mas não parou o papo, como se o dever de um vendeiro fosse contar estórias e não atender os seus fregueses.

A mulher esperou pacientemente, de pé, que o seu Zezinho resolvesse lhe atender:
– pois não, o que é que vai levar?
– eu queria um carretel de linha…

O vendeiro foi até a gaveta, pegou o carretel, embrulhou num jornal, e o entregou para a mulher.
– quanto é que é?
Ele lhe deu o preço, ela pagou e ele se voltou de novo para as moças, continuando a estória interrompida.

A mulher continuou em pé, imóvel no meio da venda. Seu Zezinho falou mais um pouco, parou, se voltou para ela e perguntou:
– mais alguma coisa?
– eu queria um saco de café….

Ele foi até a prateleira, pegou o café, embrulhou num jornal e entregou o pacote para a mulher.
– quanto é que é?
Ele voltou a dar o preço, ela pagou e ele prosseguiu na estória sem fim que contava para a Paula e a sua amiga.

A mulher continuou de pé. Seu Zezinho falou mais um tempo e voltou a atendê-la:
– mais alguma coisa?
– eu queria arroz….

Ele fez outro embrulho com outro jornal e entregou-lhe o pedido. Ela perguntou quanto era. Ele disse, recebeu e continuou a sua estória. A mulher ficou firme. Parada no centro da venda, sem mostrar pressa ou irritação.

Mais um tanto de conversa e a estória recomeçou:
– o que vai ser agora?
– eu queria um pouco de sal…

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.