O cheiro bom
Não existe no mundo cheiro mais gostoso do que o cheiro de pão quentinho, saindo do forno. Não, eu minto. Existe sim, é o cheiro de café que sobe pela casa, de manhã cedo, quando fora o frio do outono ainda espera para ser aquecido pelo sol, e, dentro, o cheiro de café se espalha, aquecendo o resto de sono dos zumbis que andam de um lado para o outro, começando o dia.
E quando os dois cheiros se misturam – o do pão quentinho, com o do café fumegando no bule – então é a perfeição. Eu não sei o cheiro do paraíso, dizem que é mais para jasmim e outros perfumes do tipo, mas, com certeza, o cheiro do paraíso, com todos os perfumes finos que já foram dados em honra de deus, não é melhor do que o cheiro da sala onde o café da manhã é servido. O cheiro do pão misturado com o cheiro do café.
São cheiros que sabem a lar. Cheiros que mostram de forma singela que o homem nasceu para viver com a mulher e que os dois devem ter filhos, para a felicidade da família e para o inefável prazer de sentir as coisas simples, repartidas entre quem se ama, num pedaço de pão ainda fumegando, partido com a mão e dado ao outro, para passar a manteiga, que derrete e se incorpora ao miolo.
Quando eu era menino, nas férias na fazenda, eu acordava cedo e descia para a colônia, para tomar café na casa do cocheiro e depois auxiliá-lo a trazer os cavalos do pasto. O cheiro do pão que sua mãe fazia nunca mais saiu do meu nariz. A gente já o sentia de longe, misturado com o cheiro dos outros pães que as mulheres faziam em suas casas e que se misturavam com os cheiros da natureza acordando, especialmente o da terra molhada.
É esta a imagem que vem na minha cabeça, quase todas as vezes que eu passo perto de uma padaria e sinto o cheiro do pão sendo feito.
É antes de tudo uma imagem de paz. Uma imagem que fala da possibilidade do mundo ser bom, habitado por gente honesta, que não tem vergonha de ganhar o pão de cada dia fazendo o seu trabalho, por mais humilde que seja, de cabeça erguida e satisfeito consigo mesmo.
Gente que tem orgulho de ser o que é, porque foi assim que deus a fez.
A cada manhã, o cheiro do café quente, feito na hora, se mistura com cheiro do pão que a empregada acaba de trazer da padaria, para me dizerem que a vida pode ser boa e que muito da felicidade depende somente de nós.
___
Siga nosso podcast para receber minhas crônicas diariamente. Disponível nas principais plataformas: Spotify, Google Podcast e outras.
Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.