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Os pernilongos de São Paulo

Os pernilongos de São Paulo são animais fantásticos. Pela sua resistência, pela sua persistência, pela sua sagacidade, eles vão fazendo história, tendo verbete em ouro na enciclopédia da epopeia dos pernilongos.

Há até quem os compare com os taxis de paris, que na primeira guerra mundial transportaram as forças francesas que brecaram os alemães às portas da grande capital. É evidentemente um exagero, mas dá bem a dimensão da fama da espécie, criada por Deus com apenas dois objetivos: sugar o sangue nosso de cada dia e decorar as paredes, transformando-se em manchas escuras quando mortos de encontro a elas.

Neste campo, aliás, a sua utilização vem sendo aperfeiçoada, com um decorador famoso mostrando em sua última coleção de cortinas alguns estampados feitos com micropontos à base de pernilongos mortos.

Mas o que realmente merece destaque é a enorme resistência das espécies que dividem conosco os espaços urbanos da capital capricorniana.

Enquanto no mundo todo os mosquitos, tendem a diminuir com o frio, assassinados por um ato de clemência de Deus, compadecido do sofrimento veranico de seus filhos, em São Paulo os pernilongos preferem agir no outono e no inverno, contrariando a lei natural e mantendo o sofrimento da população no mesmo nível dos outros meses, substituindo as enchentes e outras pragas que nos castigam 365 dias por ano.

De acordo com fontes bem informadas que preferem se manter no anonimato, esta atuação respeitando o espaço e o tempo é fruto de um acordo maior, envolvendo várias outras espécies interessadas no martírio dos paulistanos.

Assim, o verão é o tempo das baratas e dos cupins brilharem. Por sua ação restaurantes são fechados, árvores caem a qualquer vento e políticos fazem discursos defendendo as árvores e os restaurantes.

Na primavera cresce o Ibope dos jacarés e dos ratos, que se espalham pela cidade, enquanto políticos fazem discursos defendendo os jacarés e os ratos.

E o outono e o inverno são deixados para os pernilongos, que equipados com roupas especiais, suportam o frio, sugando permanentemente o nosso sangue, enquanto políticos fazem discursos a favor e contra a sua existência.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.