A primeira névoa
A primeira névoa recobriu a manhã da cidade, encantando o dia que nasceu estranho, como que arrancado de um filme de ficção científica, onde um sol sem vida, ou agonizante, iluminava um planeta de sonho.
São Paulo amanheceu escondida atrás da cortina branca que deformava sua silhueta, enganando os motoristas que guiavam com os faróis acesos.
O frio do fim da madrugada ainda doía nos ossos, enquanto a vida já corria célere, congestionando a marginal no sentido de santo amaro. Sobre a ponte da cidade universitária um cenário fantasmagórico ocultava os prédios na direção do centro, deixando de fora apenas dois ou três esqueletos desfigurados, atingidos pela radiação de uma bomba imaginária, que incendiou a terra numa noite de pesadelo.
Manhã estranha. Manhã fora do contexto, principalmente porque a noite anterior não teve a neblina que normalmente se apossa das noites, antes das manhãs de névoa e poluição, em que a beleza do cenário guarda armadilhas terríveis para os milhares de habitantes da cidade que sofrem com a poluição.
Sol morto, estrela apagada. O astro do dia mal e mal vara a camada densa como leite que toma conta do céu e de cada pedaço de rua, nascendo e crescendo pelos desvãos dos morros, entre as paredes das casas, por sobre a cidade.
Tudo ganha uma irrealidade que torna mais real o perigo do dia. A poluição, a grande vilã das cidades grandes, veio para ficar, para maltratar corpos e mentes, com tosse, falta de ar, dor de cabeça.
O holocausto nuclear é substituído por outro holocausto muito pior. Por uma tragédia que mata aos poucos, nascida de uma nuvem de sonho, que dá ao dia a ideia de terra encantada, com princesas e carruagens saindo da neblina em galopes mágicos, puxadas por cavalos alados, que voam em direção ao céu, em busca da torre mais alta, para esconder as princesas.
Árvores retorcidas contam as suas dores em quadros apocalípticos, que nos falam da dor das árvores como da dor das pessoas. E o coração se aperta ao perceber que as árvores são o negativo das fotos das pessoas cujos corações se apertam ao ver o próprio sofrimento e a sua imensa solidão, nas árvores retorcidas que saem da névoa pedindo socorro.
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