Crônica para o Tietê
[Crônica do dia 2 de abril de 1997]
Eu me lembro do tempo que eu não me lembro em que o Tietê corria limpo, largo como uma estrada, seguro como a rosa dos ventos, abrindo caminho para os paulistas que cursavam suas águas e seguiam suas margens, atrás dos tesouros impossíveis dos mais variados eldorados.
Rio das Anhumas, o Anhembi de águas escuras sempre inundou suas várzeas, engrossado pelas chuvas de verão. Suas margens a poucos quilômetros da vila de São Paulo já eram dos índios e foi nelas que Nóbrega viajando rio abaixo, na altura de onde hoje é Itu, deu com as pegadas do Sumé gravadas fundas na rocha.
Milagre dos maiores, as marcas dos pés vistas pelo jesuíta atestavam a passagem de São Tomé, o apóstolo da índia, pelas terras sul-americanas.
lendas do Peabiru, o caminho fantástico que ligava São Vicente à Assunção, muito antes da chegada dos brancos ao continente, e que por boa parte do território paulista seguia o curso do Tietê, até se enfurnar – mata adentro – para o Sul, varando pelas terras do norte do Paraná, cruzando o Rio Grande e alcançando a capital paraguaia, de onde subia para o Peru.
Depois foi em suas águas que a virgem maria protegeu Anchieta, permitindo que o apóstolo do novo mundo permanecesse debaixo d’ água, sentado numa pedra, por mais de meia hora, lendo o breviário. E foi também no rumo de suas águas que o café abriu o interior do estado, em fazendas gigantescas que viabilizaram o fim da escravidão, a república e a industrialização, dando ao Brasil a cara que o Brasil tem hoje.
Mas foi a ânsia quase obsessiva do homem do planalto que destruiu o rio, transformando suas águas numa enorme cloaca, depositária de todo o lixo de todas as cidades que o margeiam. Preço absurdo de um progresso impressionante, a poluição do Tietê de hoje é o resultado da aventura do crescimento a qualquer preço da cidade que mais crescia no mundo.
Conta que os paulistas precisam pagar, e que estão pagando, com a despoluição de suas águas apresentando resultados que permitem sonhar outra vez com o Tietê que eu não conheci, mas do qual eu me lembro e que corria como uma estrada unido o sonho de uma vida melhor à possibilidade desta vida.
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