Por que não?
[Crônica do dia 3 de março de 1998]
Numa época em que processos os mais disparatados vão tendo chances concretas de vitória, ameaçando mais de 3.000 anos de história e a moral judaico-cristã, a ideia pode ser muito interessante.
De verdade, ela é tão interessante que, se tivesse juízo, ao invés de expô-la numa crônica, eu deveria passar um e-mail para Londres, aos cuidados do presidente da empresa, mostrando-lhe a máquina de fazer dinheiro que ele tem na mão, e como seria fácil transformar a simples expectativa de lucro na mais absoluta certeza.
Os números estão ai: depois de cacifar mais de 200 milhões de dólares nas duas primeiras semanas de exibição, o filme Titanic foi indicado para nada menos do que 14 estatuetas, o que deve levar o seu faturamento a patamares desproporcionais, garantindo-lhe o título de maior bilheteria do ano, e uma das maiores de toda a história.
Mas será que todo este sucesso seria possível se o navio de verdade, o verdadeiro Titanic, não houvesse afundado numa noite fria e estrelada do começo do século?
Será que um filme catástrofe, somente com a catástrofe, teria condições de emplacar números tão superlativos, sem o charme das lendas nascidas e criadas em volta do fato verdadeiro?
Será que John Jacob Astor e seus pares ainda seriam lembrados, se não tivessem estoicamente ficado para morrer a bordo do transatlântico, na companhia dos humildes passageiros da segunda e da terceira classe?
será que a orquestra de bordo teria um lugar tão belo no panteão dos heróis menores que morrem cumprindo o seu dever, se não afundasse tocando?
Não. Com certeza, sem a base do naufrágio que comoveu o mundo, o filme não teria o sucesso que está tendo.
É por isso que me parece justo a “white star” receber royalties sobre a sua bilheteria. afinal sem ela e sua enorme arrogância, nada disto teria acontecido.
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