Um bairro que é outra cidade
[Crônica do dia 10 de março de 1998]
São Paulo é una e múltipla. Ao mesmo tempo que a cidade é uma só, muito maior do que as suas fronteiras, entrando em mais trina e sete municípios que cresceram à sua volta, ela é várias, formando um mosaico que a faz única, com detalhes que não existem em nenhum outro lugar e que a torna uma imensa cidade nordestina, uma enorme cidade italiana e uma das maiores cidades japonesas fora do Japão.
Mas, São Paulo é muito mais do que isto. São Paulo é, ao contrário do que insistem em falar, a cidade paulista por excelência.
São Paulo tem caráter próprio, forjado em mais de 440 anos de história, absolutamente coerente com a razão de ser da cidade, desde a sua fundação, até os dias de hoje.
Criada para ser a grande porta para o sertão, São Paulo sempre recebeu quem a buscou de braços abertos, mas sempre expulsou quem não a compreendeu, fossem padres jesuítas, representantes da inquisição, ou enviados do governador geral, em nome do rei.
E a cidade cresceu assim, marcada pelos traços fortes de seus maiores, todos proprietários das terras à sua volta, onde foram criando freguesias, com capela e padre, e ajuntando gente, que deram origem aos bairros que cercam o centro.
Entre eles, merece destaque o bairro da Penha. Antiga Freguesia de Nossa Senhora da Penha de França, fundada num passado distante, em volta de igreja velha, que ainda está la, se bem que estragada por um puxado sem sentido que quebra-lhe as linhas retas, típicas da nossa arquitetura colonial.
Penha que é tão nobre que, mesmo mostrando nas suas ruas a tragédia da vida atual, tem um historiador, chamado Sylvio Bomtempi, que, como os antigos paulistas, é tão honesto que escreveu um livro para corrigir o que havia escrito em outro.
Sylvio Bomtempi que prova por a mais b que a Penha não foi fundada por quem ele mesmo dizia que a tinha fundado. Que prova, com rara honestidade, que a Penha é mais velha e foi fundada pelo irmão do hipotético fundador.
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