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É de novo Natal

[Crônica do dia 24 de dezembro de 1997]

Quando eu era menino, o Natal era na nossa casa. Meu pai fazia questão de convidar os parentes dele e de minha mãe para a ceia do dia 24. Confesso que alguns foram muito chatos, mas, depois, quando entramos na adolescência e eu e minhas irmãs chegamos na idade que minhas filhas têm hoje, começamos a convidar também os nossos amigos, que iam lá para casa depois de cumprirem os seus respectivos martírios, e aí a noite ficava boa e gostosa, estendendo-se madrugada a fora.

Depois o Natal se espalhou, instalando-se também na casa de minha tia Helène, onde tradicionalmente a festa começava um dia antes, na montagem da árvore, que foi sempre a árvore mais bonita entre todas as árvores de Natal montadas nas casas dos conhecidos.

Era um ritual longo, que varava a madrugada do dia 23, ano após ano, sempre com os mesmos amigos encarregando-se da montagem.

Acho que com todo o mundo é mais ou menos assim. Cada um tem o seu Natal, com as lembranças eternamente vivas, ao ponto de se ter no nariz o cheiro do pernil ou do tender, e ficar com água na boca por conta do cuscuz que tinha na casa da minha mãe e que era o melhor de São Paulo.

Mas existe também um outro Natal. Um Natal que não é físico e que, mesmo a gente dizendo que não, mexe conosco, ainda que sem percebermos.

Os ritos fazem parte da vida do homem e atavicamente se repetem e se repetem, entranhados no mais fundo do nosso ser, sem explicação e sem porque, exceto que é assim que tem que ser.

O Natal, o nascimento brutal dum menino pobre numa manjedoura em Belém, foi transformado pelo medo do homem, pela fé do homem, pela nossa necessidade desesperada de termos um apoio, no substituto da tradicional comemoração do solstício, dando-nos na sua poesia, e na possibilidade da redenção de nossa alma, encarnada no sorriso do menino deitado na palha, a esperança de um amanhã melhor.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.