Quarta-feira de cinzas
Hoje seria o fim do carnaval. Ao meio-dia o Brasil voltaria a girar, com as exceções de praxe insistindo em bater bumbo e tocar corneta. Ao longo das praças, foliões deitados na grama, ainda curtindo o porre, antes de descobrirem que a vida ressuscitou, e o mundo segue em frente, na toada da fumaça dos ônibus recalibrando o ritmo do mundo.
Quarta-feira de cinzas sempre foi fim de folia, fim de carnaval. Foi, hoje não é mais.
Agora é só uma parada no meio da semana, acenando com o fim de semana que vem como mais um degrau na longa festa que se estende por três longas semanas e não mais meros quatro dias. Quem pode mais chora menos.
Quarta-feira de cinzas não dá pro cheiro, hoje é só descanso, porque depois de amanhã a festa volta pras ruas e os trios elétricos vão puxar de novo milhares de pessoas pulando como se fosse o último dia e o asfalto estivesse derretendo.
Hoje, carnaval é muito mais. Pré-carnaval, carnaval e pós-carnaval. É festa pra ninguém botar defeito e deixar todo mundo feliz da vida fazendo ou deixando de fazer seja lá o que não for.
Imagine alguém de sessenta anos atrás vendo o que corre solto hoje. O tumulto nas ruas tomando o espaço dos salões, as músicas cantadas do alto dos trios elétricos no lugar das marchinhas de antigamente.
Que Jardineira, que Pastorinhas, que nada! Agora o funk ferve solto nas caixas gigantes chacoalhando os caminhões. E tudo que podia ser não é, enquanto o que é diz não sou.
Antes, agora era tarde, quarta-feira de cinzas era o dia seguinte da festa. Hora dos últimos desgarrados voltarem pra casa, tirarem a fantasia, entrarem no banho frio e vestirem seus ternos para voltar pro trabalho.
Ainda bem que hoje é agora. A festa só acaba na segunda que vem.
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