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Um diálogo fantástico

[Crônica do dia 13 de agosto de 1997]

Eu estava na sede da quarta esquadra da polícia, em Lisboa, apresentando queixa de tentativa de furto de automóvel. Atendido pelo chefe de polícia estávamos os dois há mais ou menos meia hora preenchendo as seis folhas, frente e verso, dum formulário extremamente detalhado, numa máquina de escrever manual, mais antiga do que a de nossas delegacias.

Além de nós, estava no salão um outro homem, aguardando para também dar queixa de furto, o que faz com que Lisboa, neste aspecto, não se diferencie muito de São Paulo.

Foi então que um terceiro homem entrou. Baixo, atarracado, agitado, olhando desconfiado para todos nós, entrou meio que ressabiado, foi até o fim do salão, voltou até a porta e lá parou, nos olhando sem dizer nada.

O chefe de polícia continuou a preencher o formulário, encaixando nos lugares certos as minhas respostas, enquanto o outro homem, permaneceu sentado, aguardando a sua vez.

Quase na porta, o novo personagem dava sinais evidentes de excitação, o que terminou por chamar a atenção do chefe, que lhe perguntou qual era o seu problema, começando aí um dos diálogos mais inusitados que eu já ouvi:

– Problemas com estrangeiros, ele respondeu, fazendo-me imediatamente imaginar um quadro racista.

– Diga lá o que aconteceu, o chefe insistiu.

– Pois eu tinha hospedado num quarto la de casa um dinamarquês, que deveria, no fim da semana passada, pagar-me a estadia. Pois não é que no sábado ele se foi, com todas as bagagens, sem pagar-me nada!

– O senhor o viu sair? o chefe perguntou.

– Claro, mas como ele levou a chave da porta imaginei que retornasse. Só que não retornou

– E o que o senhor quer que eu faça? retrucou o chefe.

– Pois eu fui ao consulado da Dinamarca e lá eles me disseram que era um caso de polícia, assim eu estou aqui, porque aqui é a polícia, para pedir-lhe que me ache o gajo.

– Foi então que o chefe me saiu com essa joia: e como o senhor quer que eu o ache, se o senhor não sabe onde ele está?

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.