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Equilíbrio precário

[Crônica do dia 20 de junho de 1997]

Se um único cometa sair de sua rota, toda a estrutura do universo pode ser abalada. O jogo de compensações e as tensões e antitensões do cosmos são os grandes responsáveis pelo equilíbrio delicado que prende com fios invisíveis sóis e planetas, galáxias e buracos negros.

Até as estrelas que já não são, que deixaram de brilhar há milhões de anos, têm o seu papel, com sua massa morta servindo de contrapeso para outros astros estroinas, que insistem em desfiar a força da gravidade para correrem livres pelo céu.

Lá tudo é complexo como a tapeçaria mais complexa, como um enorme jogo de xadrez que empresta seu tabuleiro para servir de base para o jogo limitado acessível aos homens.

O movimento dos astros segue normas muito além de nossa capacidade de captá-las ou compreendê-las. São fórmulas divinas, feitas para balizar a vida do universo, quando deus ainda não havia errado, ao tentar fazer-nos à sua imagem e semelhança.

Com as cidades é igual. As forças que as unem numa massa compacta e invariavelmente infecta também estão além de nossa compreensão.

Querer desafiá-las é correr riscos imprevisíveis, colocar em jogo tudo aquilo porque lutamos, normalmente com resultados no mínimo medíocres, e que complicam muito mais do que resolvem.

Basta olharmos o trânsito paulistano. Ele se aproxima do castigo mais tenebroso, do mais tenebroso círculo do inferno. Se Dante Alighieri fosse vivo, com certeza dedicaria todo um capítulo da divina comédia ao tema.

Como ele já morreu, sobram a CET e o cronista, ela, sem querer, desestabilizando a ordem precária da vida, e ele, chorando, pedindo pelo amor de Deus para que os especialistas brinquem de autorama, deixando para os deuses os grandes movimentos que abalam as estruturas da vida.

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.