O frio das trincheiras
[Crônica de 2 de agosto de 2013]
Este inverno, em alguns dias, tem feito frio de matar passarinho no galho. Frio de gente grande, de deixar as montanhas de Santa Catarina com jeito de Alpes e as ruas de São Paulo com alguma coisa de Hamburgo.
Mexendo nos meus guardados, outro dia dei com o gorro de tricô de lã que meu avô usou na frente de batalha na Revolução de 1932.
Pelos relatos da época, o inverno naquele ano foi particularmente severo, com o frio e a umidade castigando os soldados nas trincheiras cavadas na terra fria e úmida.
Fico imaginando os milhares de voluntários e soldados profissionais que deixaram o calor de seus lares para se irmanarem no frio e no sofrimento das trincheiras, lutando pelo direito de decidir seu futuro, de não aceitar as decisões dos coronéis e caudilhos que mandavam no resto do Brasil.
As trincheiras paulistas aproximaram o colono e o dono da fazenda, o operário e o industrial, o dono da loja e o entregador de pão.
Nelas não havia condição social. Havia hierarquia e a vontade de defender um modo de vida conquistado arduamente, na luta diária por um futuro melhor, no sonho feito realidade pelo imigrante que venceu, que fez fortuna; pelo paulista antigo abrindo novas frentes, nas cidades que cresciam em volta das fazendas; na mistura formadora de uma nova raça composta por todas as raças que fizeram do solo paulista a sementeira de uma nova relação social.
De uma esperança transformada em certeza, na luta pelo pão nosso de cada dia, que galvanizou o estado e levou milhares de voluntários a lutar, em trincheiras imundas, debaixo do frio e da umidade, uma guerra que eles sabiam que não venceriam no campo de batalha, mas, depois, na retomada da rotina que hoje constrói São Paulo.
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