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O último Interlagos

[Crônica de 24 de março de 1998]

Houve época em que ele era o máximo. Uma gracinha sobre rodas que transitava pelas ruas de uma outra São Paulo, muito mais calma, muito mais humana, ainda que sendo a cidade que mais crescia no mundo.

Comparado com hoje, mesmo seu trânsito, então já alucinado, era conversa de criança e os congestionamentos que aconteciam, aconteciam num ritmo completamente diferente, muito mais amigos e rápidos, atrasando a vida, quando muito, nuns quinze minutos.

Era uma época em que os bondes ainda circulavam e os ônibus elétricos, tinindo de novos, ligavam as várias partes da cidade sem poluir o ar.

Boa parte dos carros ainda era os tanques de guerra dos anos 50 e os rabos de peixe do fim da década e do começo dos 60. Verdadeiros navios, sólidos como rocha, e no meio dos quais se destacavam os Thunderbirds, os Impalas, e, pouco depois, os Oldsmobils Cutlass.

Era ao lado de feras deste tipo que os Willys Interlagos, 100% made in Brasil, circulavam pelas ruas de São Paulo. Seus companheiros chamavam-se Simca Chambord, aero Willys, Volks, DKW e JK.

Primeiro carro esporte brasileiro, os Interlagos eram uma belezinha que desapareceram com o passar do tempo.

Hoje, a maioria dos brasileiros nem sabe que eles existiram, mas existiram e alguns poucos heróis ainda resistem pelas ruas da cidade, nas periferias os mais maltratados e nas mãos dos colecionadores os perfeitos, originais ou restaurados.

Pois foi um destes que o meu engraxate do Largo do Ouvidor decidiu comprar. 

Decidiu e comprou, depois de uma aventura fantástica, atrás dos papéis do carro e do lugar onde a fábrica gravou o número do chassis.

Neste momento o carro anda, mas sob protestos. Ele está sendo restaurado, para rodar mais rápido do que os originais, impulsionado por um potente motor de Fusca 1.600.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.