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Calor abissínio

[Crônica de 13 de fevereiro de 2014]

O verão anda tão quente que tem gente fritando ovo no asfalto. Eu sei que é pouco higiênico, mas o asfalto um pouco derretido dá o tempero exato e facilita o ovo ficar com a clara queimada e a gema mole, como um bom ovo frito deve ser.

O calor que tem feito, se minha avó Sara fosse viva, seria definido por ela como africano. Durante muito tempo achei a definição perfeita para dar a dimensão do que acontecia em certos dias no verão de São Paulo.

Não o verão do estado de São Paulo, mas o da cidade. Para o estado seria necessário descobrir uma definição que dimensionasse o calor que faz na Grande Birigui, não apenas nos dias de verão. Birigui é capaz de te torturar pelo menos durante mais de meio ano.

Já a cidade tem dias e dias. A maioria longe do calor alucinante que cria miragens no Saara. Ou melhor, tinha. Este ano a coisa mudou. Parece que a vaca foi para o brejo. 

Está chovendo pouco e faz calor incessantemente, 24 horas por dia. Não sei se já houve outro verão tão quente. Provavelmente já, mas eu não me lembro.

Durante a maior parte da minha vida não usei ar-condicionado. Nem na casa dos meus pais, nem nas minhas, nem no carro.

Hoje não tem jeito de viver sem o bendito aparelho ligado. E não é frescura de gente mais velha, tio-avô ou coisa assim. É que está quente mesmo. Por isso a definição de minha avó se tornou insuficiente para definir o calor que se abate sobre São Paulo.

Calor africano é pouco. Até o calor de Birigui não dá uma ideia exata do que está acontecendo. Assim, na falta de uma definição melhor, diria que o calor que estamos sentindo é abissínio. Se não for por nada, enche a alma poder dizer: no nosso verão faz um calor abissínio.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.