A carrocinha estéreo
(Crônica de 20 de fevereiro de 2001)
São Paulo é uma das cidades mais fascinantes do mundo. Não que Nova Iorque, Paris ou Tóquio também não o sejam, não é isso, com certeza elas o são, pelo menos tanto quanto São Paulo.
Acontece que cada uma tem um tipo de perfil e todos eles permitem viagens fantásticas, ao inusitado da vida e a exceção que confirma todas a regras.
São Paulo tem o universo da convivência dos opostos, com a favela e a mansão dividindo a mesma rua, como acontece no Morumbi. Tem os prédios velhos do centro velho, alguns deslumbrantes, quase que completamente abandonados.
Tem uns poucos casarões da época dos barões do café decaídos em prostíbulos baratos, com suas janelas protegidas por cristais da Europa dividindo seu espaço com vidros mixos, comprados do vidraceiro da esquina. Tem os prédios ultramodernos da Berrini, sombreando casebres de material reciclado.
E tem a loucura de ter riquixás, contrapondo às cidades da Ásia as carrocinhas puxadas pelos catadores de papel que, em nome da sobrevivência, atrapalham o trânsito e usam as praças como estacionamento.
Pois foi uma destas que o outro dia me chamou a atenção. Eu estava saindo de um restaurante na cidade, quando comecei a escutar música sertaneja num volume de trio elétrico.
Como não vi nenhum caminhão de som, comecei a procurar de onde vinha a música e foi com espanto e depois com um sorriso se abrindo que descobri a carrocinha puxada pelo catador de papel com dois enormes alto-falantes virados para frente – quer dizer, para as orelhas do dito cujo – tocando em estéreo a muito mais de cem decibéis.
E ele ia feliz da vida, no ritmo da música sertaneja, puxando seu riquixá latino-americano como se já fosse Carnaval e a única solução fosse andar dançando.
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