Saudade do passado
Tem gente que diz que tem saudades do passado. Pode ser, mas com certeza o passado que ela lembra não é o passado como ele de fato aconteceu. É a grande vantagem do passado, nos lembramos dele como queremos e não como ele efetivamente foi. Minha prima Maiá, numa conversa há muito tempo, quando alguém colocou que o bom tinha sido a época da juventude, muito sensatamente perguntou se ela tinha se esquecido de quantas noites tinha chorado por causa de fulano que não queria namorar com ela.
Pois é, a gente esquece tudo que não quer lembrar. É mais fácil encarar a realidade mudada do que a realidade como ela foi. Até porque há meio século o mundo estava longe de ser um lugar de paz e boa vontade. A guerra fria corria solta, o terrorismo era comum em todas as partes, aviões explodiam em pleno voo, bombas estouravam em hotéis, o muro de Berlim impedia os alemães orientais de visitarem seus parentes do lado ocidental e por aí ia, no macro, e o micro não era diferente.
No Brasil a coisa ainda era complicada e depois que os militares saíram não melhorou tanto assim. Quem entrou chegou com sangue nos olhos e disposto, se não a se vingar, a pelo menos ficar rico. Quer dizer entre secos e molhados, não mudou tanto assim.
Sua vida está boa? Você deu certo, as coisas correram bem? Que maravilha, você tem sorte e é competente. Que Deus te mantenha assim, que a felicidade seja constante e que o futuro siga na mesma rota que você trilhou até agora. Mas por favor, não diga que você nunca tomou porrada. Que você é que nem os amigos de Fernando Pessoa. Que a vida nunca cobrou seu preço, nem te deixou numa sinuca de bico, sem saber para onde correr ou como fazer para sair do enrosco. A verdade é que viver não é fácil. A vida não foi feita para ser fácil, a vida foi feita para ser vida.
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