Lá atrás
Às vezes a pancada bate dura e a gente descobre que não é bem assim, que as coisas não acontecem no ritmo que nós queremos e muito menos com o final que nós gostaríamos. Não, a vida tem suas pegadinhas e nos leva na conversa com jeito de que vai dar tudo certo, pra, depois, no meio do jogo, mudar tudo.
De repente o céu fica embaixo e a terra em cima. O sol brilha de noite e o cruzeiro do sul dá o rumo do dia. Não tem o que fazer, é hora de pedir para a Terra parar, descer, encostar num barranco e esperar a maré mudar.
Numa fase dessas, de repente me vi lembrando de meu pai, não do homem de terno e gravata, mas do homem solto, pescando robalo, com sua viseira para não molhar os óculos, camisa caqui e botas de borracha.
Cananéia não era fácil, nem perto. As primeiras vezes que fui para lá foi de Kombi, duas, uma atrás da outra, porque a viagem era pelas praias do litoral sul de São Paulo e se uma encalhasse a outra puxava.
Meu pai teve duas casas no Cubatão de Cananéia. A casa velha, com Tio Júlio Salles, o Lineu Salles e o Afonso Botelho, e a casa nova, com Tio Júlio Salles e tio Ruy Mesquita. Conheci as duas, mas sempre fiquei na casa nova. A luz elétrica era fornecida por um gerador e a geladeira funcionava a querosene.
Os barcos de pesca eram inicialmente, “skifs” de madeira que depois foram substituídos por outros, de alumínio, fabricados na Usina. Quem carregava os motores dos barcos pelo barranco entre a casa e o canal, era o Xicão, uma espécie de xerife do Cubatão, casado com a caseira da nossa casa, Dona Angelina.
A Cananéia que eu conheci ficou décadas para trás. A casa foi vendida, nunca mais fui lá. Mas sua lembrança segue viva e as histórias que eu vivi naquele tempo são boas para fazer esquecer o que não vai bem.
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