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Os quero-queros da USP

[Crônica de 26 de agosto de 2002]

Quem anda pela marginal do Tietê pode dizer de peito cheio: “eu vejo as capivaras da margem do rio”. Quem anda pela marginal do Pinheiros pode dizer de peito cheio: “eu vejo o voo das garças”. E quem anda a pé pela USP pode dizer, um pouco mais humilde, eu ouço e vejo os quero-queros da Cidade Universitária.

Se as capivaras eram raras, eram. Agora é normal vê-las pastando nas margens do Tietê e até sendo atropeladas na Marginal, como se fossem nativas de São Paulo, e o Tietê um rio projetado especialmente para elas, na prancheta do céu.

Tornaram-se comuns. Bichos sem qualquer atrativo, além de serem capivaras e estarem pastando nas margens do rio poluído, como se isto fosse um diferencial que tivesse importância na vida de um roedor gigante, quer dizer, um ratão que come o que aparece pela frente e transmite quase tantas doenças como seus primos menores.

Com as garças também não é diferente, e não tem quem não as tenha visto, voando em bandos ou sozinhas, tendo o rio Pinheiros como rumo, ou como marco de derrota.

A contrapartida para esta invasão são os quero-queros da USP. Aves símbolo do Rio Grande do Sul e de seus campos quase infinitos, os quero-queros não invadiam São Paulo há décadas, expulsos e mantidos fora por uma poluição alucinada que comprometia seus instrumentos de voo.

Agora isto mudou, e eles voam em bandos ou em pares em cima da Cidade Universitária, para onde se mudaram com armas e bagagens porque é muito mais fácil viver lá do que nos campos infinitos ou nas margens dos rios, onde a vida selvagem tem um lado selvagem que exige deles uma entrega e um sacrifico que nem sempre vale a pena.

Bom é morar na USP, dividindo os espaços com cachorros vadios e outros pássaros, com o lixo farto servido em sacos, servindo de tratado de paz entre eles.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.