O fim de uma era

[Crônica de 2 de julho de 1998]

Depois de 20 anos, o relacionamento vai chegando ao fim. Foram duas décadas nas quais fui aprendendo a conhecer cada detalhe de sua anatomia, cada mania, cada neurose, seus pontos fortes e fracos, suas curvas, sua textura, seu sabor… Principalmente seu sabor.

Sabor único, que variava conforme o dia e minha vontade. Do chocolate mais doce, à mostarda mais forte. Do enlevo do álcool, ao gosto forte dos queijos. 

Vinte anos se passaram sempre na mais perfeita harmonia. Só às vezes eu ficava bravo, porque gastava demais.

Mas que era esse gasto diante do prazer imenso de voltar, e percorrer de novo cada detalhe? Eu voltava, voltava e voltava, sempre encontrando o prazer imenso que os olhos e a boca permanentemente buscavam. De repente, acabou-se!

O pior é que a notícia chegou pelo correio, sem um cuidado maior, sem se preocupar com o tamanho do buraco que poderia abrir. Foi como se um namoro muito antigo e terno, um namoro sem surpresas, terminasse da forma errada.

Fiquei triste como se tivesse perdido uma amiga querida. Como se um tempo que parecia eterno subitamente acabasse. O fechamento do Baccos da praça Vilaboim foi uma paulada na minha cabeça.

Jamais me ocorreu que a loja – uma das primeiras da praça – pudesse fechar. E fechou. Fechou no último sábado, por conta das mudanças que chacoalharam a praça Vilaboim, modificando-lhe o caráter, ou melhor tirando-lhe a condição de um pedaço da Europa perdido no meio de São Paulo.

A praça Vilaboim mudou. O fechamento do Baccos não deixa dúvidas a respeito. Ainda bem que eu a conheci quando ela ainda era a praça Vilaboim, porque hoje ela é só uma sombra daquilo que foi.
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