O ônibus atômico
[Crônica de 18 de setembro de 1997]
Depois de mais de 90 tiros, alguns a favor, mas a maioria contra o que causou danos de monta, o ônibus atômico, que varou a madrugada paulistana, dirigido por um homem com todas as condições de substituir Ayrton Senna no imaginário nacional, acabou preso num subúrbio da região metropolitana, pondo fim a uma correria de cinema, só que de verdade.
Ninguém sabe o porquê da estória. Por que o motorista do ônibus se fantasiou de motorista de ônibus: porque entrou na garagem da viação Cometa; porque saiu da forma como saiu, rua a fora dirigindo o possante furtado.
O fato é que perto da meia noite e meia, ele estava na região da Faria Lima, despertando as suspeitas de um carro de polícia que, ao investigar, atiçou o motorista do ônibus, que saiu desabalado, como nenhum diretor de cinema americano imaginou que fosse possível alguém sair.
E aí começou uma das perseguições mais emocionantes desde que o padre Anchieta decidiu fazer Antonio Grou voltar para a São Paulo. Madrugada de inverno quente, a noite ficou ainda mais quente, na fumaça e no ronco dos motores do ônibus e dos 33 carros de polícia que saíram no seu encalço.
Bairro após bairro, avenida depois de rua, a perseguição só foi terminar 90 tiros, dois carros destruídos e um poste derrubado, depois, numa rua sem saída, onde, no calor da fuga, o motorista do ônibus entrou por engano.
Cavaleiro andante numa época sem espaço para os grandes gestos, o herói da cena foi sem dúvida nenhuma ele, o homem que roubou o ônibus, saindo da garagem da empresa sem que ninguém atentasse para o furto.
Ele, o homem que fugiu de 33 carros de polícia, dirigindo com extraordinária perícia, sem sair ferido, mesmo tendo destruído dois carros e levado mais de 90 tiros.
Deus salve a volta dos anarquistas, dos inconformados, dos homens que ainda se sentem homens!
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