A poesia, às vezes, passa depressa
[Crônica de 14 de agosto de 1998]
A hora do almoço deveria ser uma hora de descanso, de calma, e de introspeção, para se dar graças a deus pelo alimento recebido. Deveria ser um instante de trégua na luta pela vida. Um momento em que os homens de boa vontade se sentassem diante do prato de comida sem outra razão senão comer, pelo prazer e para matar a fome, e para jogar conversa fora, trocando ideias com outros homens de boa vontade, sentados em frente e ao lado pelos mesmos motivos.
Seria ótimo se ainda fosse assim, se é que algum dia, com as raras exceções de sempre, foi realmente assim…
O que não tem muito sentido é o ritmo da vida moderna arrancar o prazer da mesa, em nome de obrigações chatíssimas, mas indispensáveis para o sustento de cada dia.
Na medida que a busca da felicidade é um direito inalienável do ser humano, e que uma boa mesa pode levar o homem a um estágio bem próximo da felicidade, há coisa duas semanas decidi me permitir um belo almoço, num belo restaurante.
E foi lá, sentado perto da janela do La Casserole que eu te vi. Você ia com pressa, quase correndo, como se estivesse atrasado para tomar o trem que o levaria para a fazenda de café que seu avô abriu em chãos paulistas e que hoje dá sua safra de sonhos nos invernos dos campos imensos da memória.
Poeta, sua figura única, alta e magra, com os cabelos brancos de quem viu muita vida ser jogada fora e sentiu pena por isso. Seu ar pensativo, de quem conversa com os mortos como ri com os vivos, tinha algo de profundamente meigo e amigo.
Quase me levantei para te chamar, mas diante da tua pressa achei que não devia. Sorri e te abracei com meus olhos, enternecido por ver que a até a poesia às vezes, passa depressa.
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