Reunião suspensa

[Crônica de 16 de março de 1998]

Infelizmente, teremos que suspender nossa reunião. Forças ocultas, tão poderosas quanto as bruxas quando estão soltas, não querem que ela prossiga, pelo menos por agora. Se os senhores não se incomodarem, pediria que me acompanhassem até a sala ao lado, que tem janelas, e por isso nos permite ver alguma coisa.

Eu sei que já está escurecendo, mas com um pouco de boa vontade ainda é possível vermo-nos uns aos outros, o que pode não ser a visão mais agradável do mundo, mas faz passar o tempo, enquanto o probleminha é arrumado.

Nós todos sabemos que o assunto é relevante, mas temos que concordar que, no escuro, é impossível discuti-lo. Como em pouco tempo a luz deve estar de volta, não há razão para prosseguirmos à luz do pôr do sol, um quase sem ver a cara do outro.

Claro que eu tenho claro o tamanho do vexame representado por este escuro. Não tem sentido faltar luz justamente quando começamos a discutir os prejuízos causados pela falta de luz.  Nós todos sabemos que a situação é séria, mas sabemos também que não há como imaginar que ela vá se alterar nos próximos dias.

Aliás, esta falta de luz, ainda que rápida, não se preocupem, é providencial para deixar claro que o escuro fará parte de nossa rotina ainda por um bom tempo. Creio que todos concordam que faltar luz exatamente quando iniciávamos as discussões sobre as constantes interrupções no fornecimento de energia elétrica da cidade é, no mínimo, sintomático.

Enfim, este é o retrato da realidade e não há muito que possamos fazer. Nosso contínuo chegará em poucos minutos, trazendo as velas e as lamparinas necessárias para prosseguirmos nossa conversa, ao menos, um podendo ver a cara do outro.
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