O prazer de uma noite
[Crônica de 11 de novembro de 1998]
Existem várias formas de uma noite com os amigos ser gostosa. Quem sabe uma das melhores seja sentar-se num bar, com um piano e um cantor, que no passado já se chamou crooner.
Mesmo sendo cedo, o que na teoria faz com que uma boa parte das músicas fique meio fora de lugar, porque crooner que é crooner acaba cantando música de dor de corno, é muito bom ficar sentado numa mesa, perto do piano, com um uísque na frente e os amigos ao lado, jogando conversa fora, enquanto as músicas vão saindo, uma depois da outra, as primeiras mais animadas, as seguintes menos, até chegar, quase sempre, em ronda, ou bom dia.
Na semana passada eu tive chance de repetir a experiência, na companhia da minha mulher e de mais quatro amigos, num bar que não é o mais aconchegante, mas que tinha um conjunto incrível, composto pelo Jorge Rodrigues, que é o cantor, dois pianistas, o Cidão e o André, e um baixo, tocado pelo Noel.
A música fluía tão bem e tão gostosa que deu vontade de levá-los para casa, quando pararam de tocar, pouco depois da meia noite, para a noite continuar até o dia seguinte.
Música é magica, é viagem para outro plano, comunicação cósmica com todas as formas de vida que através dela se entendem e se hipnotizam, para esquecer que existe um outro mundo, que é feio e pode ficar triste.
E a música que eles tocavam tinha o dom de amortecer a realidade, como se a realidade fosse a taça de champagne, ou o pequeno detalhe, ou mais dezenas de versos, um mais melado do que o outro, um mais jeitoso do que o outro, um depois do outro, numa sequência deslumbrante que batia direto no coração.
Batia direto na tecla de todas as lembranças que fazem a gente a ser a gente. E batia macio, tirando uma por uma de suas prateleiras, para somá-las com o presente que escorria manso, nos goles de uísque, na conversa jogada fora e na companhia de gente que a gente gosta.
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