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A cara da tragédia

As chuvas torrenciais, que todos os anos devastam as periferias das cidades brasileiras, estão aí, cobrando seu preço democraticamente, caindo em vários estados e levando morte, destruição e muita tristeza para milhares de pessoas atingidas pelas águas.

São tragédias individuais que se perdem dentro da massa amorfa da população em movimento, em sua rotina de vida, mais ou menos bem sucedida. Este é o maior problema dos danos causados pelas águas. A maioria segue invisível, ainda que cobre um preço absurdo das vítimas que perdem tudo o que têm, no meio de uma tempestade que cai onde moram, como poderia cair em qualquer outro lugar.

Só que não é bem assim, é parecido. As chuvas até podem cair em todos os lugares, mas uma coisa é atingir uma área bem localizada e com infraestrutura apropriada, fora do alcance das enchentes, outra é cair numa várzea, mais baixa do que a calha retificada do rio que a atravessa.

Algumas tempestades não se importam e são tão violentas que atingem as áreas protegidas também. É ver o que aconteceu no Rio Grande do Sul para se ter certeza de que ninguém escapa dos elementos em fúria.

Mas as tempestades extraordinárias, como o nome diz, são extraordinárias. Não acontecem todos os anos, atingindo regularmente as mesmas famílias, as mesmas pessoas que, nas entrevistas para os canais de TV, mostram todo o desalento e toda a capacidade de resistência diante da adversidade, que não é uma mera questão de sorte ou de falta de sorte. Em muitos casos é uma certeza. A certeza de que no ano que vem será parecido e que a possibilidade de perderem de novo seus bens é real.

As tempestades de verão têm cara e não é a chuva caindo, nem a enxurrada arrastando o que tem pela frente e invadindo as casas. A cara das tempestades de verão são os olhos das pessoas que perderam tudo. 

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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.