A cara do crime

[Crônica de 4 de março de 1999]

Meu amigo, que por motivos óbvios vai ficar incógnito, me telefonou rindo aquele riso de quem está à beira de um ataque de nervos. Perceber que ele havia passado por uma emoção muito forte não requeria a argúcia de um Sherlock, nem os dons de um detetive de Ágata Christie.

Era evidente pelo jeito como falava.

E o que ele havia passado é experiência mais do que desagradável, na medida que uma única arma apontada para você é sempre chato, para dizer o mínimo.

Ele seguia de manhã cedo para o trabalho, quando o sinal fechou na esquina da Avenida Águas Espraiadas com a Santo Amaro.

Motorista disciplinado, ele brecou, esperando o semáforo reabrir para seguir em frente. Foi aí que se viu cercado pelos bandidos e com mais de uma arma apontada para ele.

Velho morador de São Paulo, conhecendo a nossa bandidagem por força de outros assaltos anteriores, ele usa um carro blindado, o que melhora as chances no caso de assaltos menos sérios.

A questão inteira é o que é um assalto menos sério e qual o grau de resistência da blindagem do carro na hora que alguém atira de verdade, sabe Deus com que arma, mais ou menos incrementada. Mesmo estando atrás da blindagem ele suou frio vendo as armas apontadas para a sua cabeça e separadas dela apenas pelo vidro transparente.

Meio que querendo ganhar tempo, começou a fazer sinais de que o vidro estava quebrado e que por isso não podia abri-lo, como estava sendo ordenado pelos assaltantes.

Estes, que não deviam ser muito profissionais, se distraíram com seus gestos, permitindo que o sinal reabrisse e meu amigo fugisse são e salvo, mas, justificadamente, bastante nervoso.
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