Sinatra no céu
[Crônica de 25 de maio do 1998]
Depois de um certo tempo que ele não sabe precisar qual seja, Frank Sinatra abriu os olhos e viu-se frente a frente com um homem vestido com um camisolão branco, mais branco do que a longa barba que lhe dava um certo ar de eternidade, ou, pelo menos, de mofo muito antigo.
Surpreendentemente, para alguém que tinha morrido de um infarte do coração, “the voice” sentia-se no auge da forma, como quando não hesitava em sair com a mulher que fosse, pelo enorme prazer de conquistá-la, não só como cantor e ator, mas, principalmente como homem.
Sentindo-se saudável, o grande astro gostaria de ver-se num espelho, para saber que postura tomar em relação ao velho na sua frente, que parecia preferir bach à sua música.
Incomodado com o jeito com que o homem o olhava, Sinatra não sabia localizá-lo; muito embora as diferenças sejam gritantes, não conseguia concluir se ele parecia mais um agente do imposto de renda, ou o vigilante de um sanatório para velhos.
O que era certo é que era com ele que o cantor teria que negociar.
“boa tarde, aqui é a entrada do inferno? Eu imaginava o diabo bem diferente”.
“Não meu filho, aqui é a porta do céu”.
“Céu? Mas o que eu estou fazendo na porta do céu? Pelo que fiz na terra, sempre imaginei que iria para inferno”.
“E imaginou certo, não fosse um pequeno detalhe”
“Detalhe, que detalhe?
“Quem você imagina que lhe deu a sua voz? Por acaso alguma vez.
Você pensou nisto? Será que você imagina que o diabo tem talento ou poder para dar a sua voz e a sua capacidade de cantar para alguém? Meu filho o diabo existe para fazer o mal. Você acha que cantando como você cantou, você fez o mal? Que são as suas derrapadas diante da sua arte? Vamos, meu filho, entre. Deus está lhe esperando”
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