O começo da minha primavera
[Crônica de 17 de outubro de 2005]
Dizem que a primavera tem data e hora para começar. Dizem e eu respeito, mas não quer dizer que eu concorde, ainda que pareça um absurdo alguém discordar do óbvio.
Acontece que para mim a primavera tem um outro começo, sem data fixa, e independente da data oficial, sedimentada em cima de análises astronômicas, que mostram com exatidão até os minutos da hora em que, oficialmente, começa a primavera.
A minha primavera começa com a chegada da carga de pitangas da pitangueira de D. Iolanda, plantada bem na frente da casa dela, na rua onde eu morei por vários anos e aonde eu volto para encontrar a primavera.
Essa definição é importante. A minha primavera não começa logo com as primeiras frutas vermelhas que amadurecem antes da carga toda se impor. Não, ela só entra quando a pitangueira fica manchada como se estivesse com catapora, toda salpicada de vermelho, com as pequenas frutas marcando a folhagem densa, de uma cor verde meio ferruginosa.
A pitangueira da D. Iolanda é um marco no curso da minha vida. Ela baliza o começo da nova estação e o fim da época fria e cinza, chamada de comum acordo inverno, que a cada ano fica menos frio e menos cinza, mas que precisa de referências como a cor e a temperatura para se diferenciar das outras estações.
Com a carga das frutas, a pitangueira da D. Iolanda presta um serviço importante e que transcende em muito a alegria que ela dá aos pássaros, quando vem a árvore carregada.
A pitangueira de D. Iolanda reforça antigos laços humanos, como no meu encontro com seu Domiciano, o guarda da rua, que eu só revejo nesta época do ano, por conta de comer pitanga no pé.
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