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Ciclos

[Crônica de 5 de março de 1999]

Primeiro foram as capivaras que chegaram a São Paulo vindas em bandos, subindo os leitos dos rios, que, aqui, correm ao contrário do resto do mundo, descendo para o interior. Assim, as capivaras primeiro desceram os rios afluentes do Tietê, para então subirem o rio paulista, entrando na capital de forma discreta, como quem não gosta de chamar a atenção, nem de levantar poeira.

Logo depois, até mesmo na cola delas, porque gostam de comê-las, chegaram os jacarés, que, assim que se instalaram, deixaram a cautela de lado e começaram a aparecer em águas onde, teoricamente, não teriam condições de sobreviver, não só sobrevivendo, como dando um banho nos encarregados de prende-los, feitos de bobos, correndo ao longo das margens, sem saber muito bem para onde, nem atrás do que.

Foi uma época pródiga em boatos. Alguns inclusive dando conta de acordos fantásticos, entre os jacarés e os pernilongos, e destes com a prefeitura e com as fábricas de inseticida, as maiores interessadas em produzir inseticida ecológico, ou politicamente correto, quer dizer, que não matava os pernilongos. 

Também se falou que o imperador dos jacarés queria ser prefeito no lugar do prefeito e que era por isso que os jacarés subiam e desciam o Pinheiros e o Tietê, no afã de encontrar e comer nosso alcaide.

Na sequência vieram alguns cachorros do mato e até uma onça suicida, que, conforme se apurou, era um onço, que se matou depois descobrir que a onça sua musa tinha casos com todos os outros onços da floresta.

Pois agora é a vez das garças! Primeiro foi o ouvinte Paulo Germanos que me contou sobre elas. Depois, encontrei uma, solitária, comendo peixes no laguinho de um clube da capital. E eis que, dispostas a mostrar poder, elas deram de voar em bandos, nos fins de tarde, seguindo o curso do Pinheiros, como que desafiando os jacarés. É um espetáculo de tirar o fôlego e que comove quem o vê.
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Crônicas da Cidade vai ao ar de segunda a sexta na Rádio Eldorado às 5h55, 9h30 e 20h.

Antonio Penteado Mendonça

Advogado, formado pela Faculdade de Direito Largo São Francisco, com pós-graduação na Alemanha e na Fundação Getulio Vargas (FGV). Provedor da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (2017/2020), atual Irmão Mesário da Irmandade, ex-presidente e atual 1º secretário da Academia Paulista de Letras, professor da FIA-FEA e do GV-PEC, palestrante, assessor e consultor em seguros.