A vingança da paineira
[Crônica do dia 4 de maio de 1998]
Eu sou apaixonado pelas árvores de São Paulo. Elas dão um caráter todo especial à cidade, transformando-a e embelezando-a, como que para fazê-la diferente do que ela é, não pela diferença, mas pelo contraste.
São árvores de todos os tipos e tamanhos, que dão flores e que não dão flores, com e sem sombra larga, que se espalham, na maioria descuidadas, pelas ruas e parques, as mais antigas seguindo alguma ordem, as mais novas plantadas aleatoriamente, mas todas com um ponto em comum: a constante e apavorante ameaça dos cupins.
A cada verão a tragédia se desnuda em toda a sua dimensão, com centenas de árvores caindo por todos os bairros, porque suas raízes aparentemente fortes estão bichadas, literalmente bichadas, por milhões e milhões de cupins que as devoram impiedosamente, impedindo-as de levar a seiva ao tronco e condenando a árvore a morrer lentamente, apodrecendo como consequência da fome.
Entre as árvores que eu mais gosto, sem dúvida nenhuma estão as paineiras. Acho-as lindas, com seu troncos cobertos de espinho e seus galhos altos, que, quando florescem, vestem-nas de sonhos, com as cores mais deslumbrantes do mundo cobrindo-lhes a nudez, que no inverno de algo de trágico e de patético.
Uma das paineiras mais bonitas da cidade está numa calçada da rua Alvarenga, que já foi bonita, mas hoje é das ruas mais feias de São Paulo.
Não porque ela seja feia, mas porque as centenas de caminhões que incessantemente passam por ela, descaracterizam-na e deixam-na triste, por não cumprir seu papel de rua residencial.
Com a ponte da Cidade Universitária em reformas, a região ficou mais feia ainda e o trânsito muito pior. Pois para compensar, a paineira da rua Alvarenga decidiu se enfeitar como nunca havia feito antes. E ela balança seus galhos de sonho, recobertos de flores claras, para tapar o sujo e o feio que deixam ainda mais feia a sua rua.
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