As velas enfunadas de novo
[Crônica de 15 de março de 2002]
Quando eu era menino, a gente ia para o Guarujá pela Anchieta, no tempo que
Kombi era carro de luxo, mas o pedágio já era uma praga, como é hoje, parando a estrada por quilômetros a fio.
A solução para passar o tempo era olhar a represa Billings, imponente, dos dois lados da estrada, que a cruza em cima de pontes, onde ficávamos parados, esperando a fila do pedágio andar.
E a represa era uma festa, feita por dezenas de barcos de todos os tamanhos, que, no verão navegavam, por causa do nível das águas, enquanto no inverno, com a represa praticamente vazia, ficavam adernados, com seus cascos de fora, encalhados na lama seca, de onde a água fugira, para voltar alguns meses depois, com as chuvas de fim de ano, anunciando as chuvas de verão, que sempre chegam, porque sempre chegaram.
Era o mesmo ciclo de hoje, visto pelos olhos de um menino que adorava a viagem, porque a estrada era emocionante, e em Santos tínhamos que pegar a balsa para cruzar para o Guarujá, o que também era ótimo, principalmente quando ficávamos algumas horas parados na fila, vendo os navios entrarem e saírem do porto e todos os tipos de embarcação cruzarem o canal.
Naquele tempo, a Billings era um festival de velas de todos os tamanhos navegando de um lado para o outro, perto e longe da ponte da estrada.
Depois, as velas sumiram, escondidas pela poluição que devorou a represa, envenenando as águas e espantando o povo.
Agora, no fim de semana passado, elas voltaram, trazidas pela brisa da boa notícia de que suas águas não estão mais tão ruins quanto já estiveram. E a primeira regata depois de trinta anos foi uma festa, que, a gente espera que dure as próximas décadas, enfeitando a represa com a cor dos panos cheios de vento, levando os sonhos para as águas mais calmas de uma realidade mais humana.
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